Palavra tem poder

Por Paloma C. Mamede - 26/04/2022


Imagem: Salvador Dalí - Cisnes refletindo elefantes

Melinda mudou de cidade quando tinha 12 anos. Para ela, com certeza, parecia uma grande aventura, aguardou ansiosa o coelho branco passar. Afinal, estava vivendo algo muito absurdo e divertido como uma extensão do universo de Alice no País das Maravilhas. No primeiro dia de aula, ela chamou muita atenção, porque a cidade era pequena e todo mundo se conhecia. Quem era aquela menina Melinda? De onde viera? Com que intuito estava invadindo aquele recinto? As criancinhas muitas vezes conseguem ser maldosas e antes que Melinda pudesse mostrar quem era ela, encheram a escola de fofocas.

— Melinda veio fugida e seus pais devem ser criminosos, olha como ela se veste. — Pensou uma das professoras daquela turma.

— Ela anda muito curvada. Parece um animalzinho de 4 patas. — Disse um colega em voz alta. Nesse momento, Melinda se sentiu ainda mais em Alice no País das Maravilhas, estava tentando entender quais eram as regras gravitacionais daquele novo mundo. Ao invés de comer algo que fizesse crescer ou diminuir, ela engoliu aquelas palavras e ficou cada vez mais curvada.

— Olha o nariz dela, parece uma tromba enorme, aposto que ela come amendoins com ele. — Disse uma colega em voz alta. Melinda tremelicou, saiu em desespero correndo para o banheiro, chorou, assoou o nariz e começou a ver uma tromba surgindo em seu rosto, enorme, acinzentada e o mais estranho de tudo é que cobria toda a sua boca. Melinda, decerto, engoliu aquelas palavras.

Era um lugar totalmente confuso, todos eram rudes, assim como ocorreu com Alice, ela ia tamborilando de um lado para o outro, entrava em salas e nunca fazia parte daquele lugar, nunca fazia amigos e todos queriam ditar que ela fosse de um jeito ou de outro. Havia criaturas estranhas, até um menino porco que espirrava ao sentir o cheiro de pimenta, as rainhas mandavam em tudo, criavam regras muito específicas, tais como: escrevam 50 vezes no caderno a frase “eu vou obedecer a professora hoje”.

— Que orelhas grandes, menina. — Disse a avó ao pentear os cabelos de Melinda, antes de levá-la à escola. Ela foi ficando tristinha, decaída, com a tromba sempre arrastando o chão, as orelhas infladas e aturdidas, qualquer barulho incomodava. O rosto foi ficando enrugado, acinzentado e imaginou até uma cauda que balançava discretamente para não chamar atenção.

Vejam, essa pobrezinha, essa Melinda desamparada, engolindo palavras de todos os lados, desejando o caminho de volta da toca do coelho, assumindo que não se conhecia mais e que mudara muito desde que acordara. Oh, Meu Deus! Há palavras que  podem transformar cisnes em elefantes. 

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