Olhar o outro

Por Paloma C. Mamede - 24/05/2021


Foto: Espelho Falso - René Magritte

Esses dias tive que ir ao banco resolver umas pendências, eu até comentei com uma amiga que antes era chato ir ao banco, mas era simples e corriqueiro. Agora, sempre pensamos: Será que vou ganhar um covid no extrato? Então, como de costume, máscara, álcool em gel, nada de tocar em nada, apenas o obrigatório e uber. 

Silêncio aqui, silêncio ali, ideias a todo vapor. A rua sempre normal, as pessoas sempre normais. Vendo de fora, apenas eu estava na minha bolha alarmística. Será que o covid acabou e não me contaram?

Talvez, nunca se sabe, fiquei à espreita de qualquer forma, segui meu rumo com as minhas especificações de sobrevivência… Saindo do banco, um jovem mais ou menos da minha idade me abordou para vender mel. Vi por entre meus óculos escuros, aquele olhar envolto de vermelhidão, cansaço e dor. 

― Moça, tô vendendo esse melzinho pra comprar comida pros meus filhos, tô desempregado.

― Quanto custa?

― 2 reais.

― Vou querer um, obrigada.

Observei o movimento, as lojas ainda estavam fechadas nesse dia pelo lockdown. O moço continuou lá em pé no sol, esperando mais um possível cliente. Meu coração apertou, pensei que eu estava muito bem com meu trabalho home office e não tinha filhos para me preocupar, mesmo que perdesse o emprego estava economizando e criando uma pequena poupança no pior dos casos. 

Na volta, no uber, lembrei daqueles olhos avermelhados e pude ter a seguinte sucessão de memórias que não eram minhas: acordar cedinho, fazer o café, ver que o pó aguentaria mais dois dias no máximo, tirar da sacola 3 pães que havia comprado no dia anterior, tomar café puro, quente e amargo. Acordar os filhos para passar a lista de recomendações e cuidados. Sair sem comer coisa alguma. Estômago vazio. Ir a pé, para não gastar o dinheiro do pão de amanhã, com lágrimas de enfeite nos olhos.

Pois bem, são essas realidades que doem na gente, devo dizer que cheguei em casa e pelo espelho percebi que estava com aquela coloração rubra nos olhos. Suspirei e soube de imediato que aquela pigmentação era só um reflexo do original.

  • Compartilhe:
  • @