O eu, o Outro e o Virtual

Por Paloma C. Mamede - 21/12/2020


Imagem: Chain Smoking

Luiza lembrou, logo quando acordou, da avó. Uma senhora apaixonada por magnólias e por cheiro de café. O mundo podia estar desabando, contudo o café era a solução de tudo, sempre. Dessa forma, foi à varanda com uma xícara generosa do antídoto. Fazia 4 anos que estava completamente envolta da própria companhia. Gargalhava sozinha, cativava a si mesma, vivia.

As dores, rasgam. E, nem sempre o café cura. Dona Josefa morreu há alguns anos numa época turbulenta a qual muitos chamavam de pandemia. Na verdade, uma pandemia pode ocorrer em qualquer século e com qualquer tipo de doença. Porém, convenhamos que cada pessoa provavelmente enfrentará uma pandemia ou nenhuma. 

Luiza não se culpa pelo acontecido, não foi ela mesmo. Ela não visitava a sua admiradora de magnólias desde os 10 anos. Todavia, se culpa pela ausência, pelo descaso e pela saudade infinita que não se pode findar. Existe um motivo bem escondido no seu coração, além deste, por ter preferido a solitude. Sabe quando se troca muitos segredos com pessoas que os jogam para o alto e espalham feito confete? 

Ela costumava estar rodeada de pessoas, de amigos, colegas, flertes e possíveis amigos. No fim, naquela época doida de pandemia, houve um surto do virtual. Afinal, ninguém devia ficar transitando de um lado para o outro e tudo mais, era assim que ela pensava. Deste modo, ficou em casa o tempo que pode, tentando evitar qualquer catástrofe. Aquelas ligações fortes que ela achava que tinha, foram se quebrando, percebeu logo que o que os ligava não era a amizade em si, eram os lugares, o gosto pela diversão, o que não era de todo ruim, mas não era só isso que ela achava que tinha cultivado.

Ela não tinha mais convites para distribuir e os “ois” foram ficando fracos e sumidos. Relembrou de quando tinha 8 anos e a televisão ainda era tradição aos finais das tardes. Na casa da vozinha, os vizinhos se juntavam para assistir às novelas, sentados um ao lado do outro em silêncio, os olhos vidrados, as crianças aos cochichos… lembrou da simplicidade da vida, onde claro, sempre houve desavenças. Porém, parecia que tudo era mais vivo e real do que agora. Acendeu um cigarro, respirou fundo… Seria mais um dia de solitude… Olhou o céu, o sol, as árvores, as folhas caindo, a vida passando aos poucos. Era setembro, os ipês amarelos floreavam a vida brasiliense. A fumaça do cigarro brincava com o vento. Enfim, sorriu, porque a vida parecia simples de novo e de agora em diante certamente se tornaria uma admiradora tácita de ipês.

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