MR. Floyd

Por Paloma C. Mamede - 29/06/2020


Mural George Floyd - Xena Goldman, Cadex Herrera, Greta McLain, Niko Alexander e Pablo Hernandez, 2020 - Minneapolis
Foto: Lorie Shaull

Não é fácil falar desse assunto, primeiro porque tenho que assumir descaradamente a minha falta de empatia em tantos momentos…Vou começar a dizer que sempre fui desajustada demais, e nunca me encaixei em nenhum lugar. E, por causa disso, durante muito tempo fiquei envolta dos meus próprios problemas, sem olhar profundamente para as dificuldades alheias. Mas vamos lá, meus melhores amigos da vida sempre foram negros. Eu não sei explicar o motivo e não foi por escolha consciente, eu sempre estava ali perto deles. Na escola, logo que H. chegou, foi a minha melhor amiga inseparável até que mudasse de escola. Tive outro amigo próximo F.W, que inclusive cheguei a ser a madrinha de casamento dele, pena que não durou muito, e chorei inconsoladamente por dias, porque o casamento deles chegou ao fim.

Depois da escola, tive outro melhor amigo, que eu considerava como um irmão mais velho, F.P. Pena que nessa situação tivemos um desentendimento tão feio que nunca mais voltamos a nos falar, acredito que ele esteja bem, e que foi melhor assim para gente. Na faculdade, T. sempre estava comigo, também éramos inseparáveis. Além disso, sempre tive uma amiga menina poeta, A. que não conheci em um ambiente escolar, mas que é minha amiga desde meus 14 anos. Por que estou citando todos os meus melhores amigos e enfatizando que eles são negros? Simples, porque mesmo vivendo com eles o tempo inteiro, eu demorei muitos anos para entender que eles passavam por dores muito maiores que as minhas, na verdade foi bem no meio do curso de graduação que houve um estalo na minha mente e eu passei a enxergar a realidade nua e crua.

É muito devastador, você perceber que estava tão envolta nos próprios abismos que nunca parou para refletir nenhum segundo que seus melhores amigos tinham que enfrentar algo tão inumado todos os dias, recentemente lembrei de um episódio, na segunda série. A gente tinha um professor incrível, que fazia dinâmicas,G. ensinava com o coração, era o professor de Ciências Naturais. Era o único que de fato acreditava no nosso potencial, era o único que nos inspirava e nos fazia acreditar em nós mesmos. Um dia ele disse, meninos se vocês forem parados pela polícia, sejam educados, apenas deixem eles revistar vocês. Ontem quando eu estava indo para casa, fui revistado várias vezes. Nós ficamos inconformados: Mas, por quê? Por que o nosso herói, nosso ídolo, tinha que ser revistado como se fosse um criminoso? 

Naquele dia eu não entendi que era por causa da cor da pele. Eu peço desculpa por não ter percebido, e claro vocês nunca se abriram comigo para falar desse assunto tão delicado. Então veio o caso do MR. Floyd, e todos esses casos se remexeram dentro de mim, eu fiquei pensando se já existiu um mero momento na minha vida que eu me senti ameaçada pela polícia e a resposta foi não. Eu senti medo, lembrei até uma vez que eu fiquei sem bateria e carreguei meu celular na tomada de um museu em Brasília, o Museu Nacional. Será que se fosse um dos meus amigos, eles teriam sido presos por isso? Pense, estamos em um momento de pandemia, muitas pessoas perderam coisas imensuráveis, empregos, familiares, e o mais precioso de tudo: a esperança.

Aposto que o MR. Floyd naquele dia estava de saco cheio de ser sempre tratado como um criminoso todo santo dia, aposto que ele teve tantas perdas, que a única coisa que precisava era de um trago. Porém, nem isso… Nem isso ele teve. Pois, a crueldade essencialmente branca estava ali para atacar de novo e de novo. Não, MR Floyd, você não pode ter o que deseja nem ao menos uma vez. Estou escrevendo isso, porque apesar de não entender de verdade a dor de vocês, eu não quero nunca mais ter de ouvir que um ser humano disse estas últimas palavras: Eu não consigo respirar.

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