Laura e os Anéis de Saturno I

Por Paloma C. Mamede - 26/10/2020


Illustration by Laure Ngo

Na noite anterior, Laura ouviu uma história sobre galáxias, planetas e estrelas. Sua mãe disse que o universo era infinito e que as coisas se encontravam e se perdiam várias vezes nessa imensidão. Laura ficou apreensiva. Não conseguia imaginar nada tão grande. Em meio ao medo, o encanto foi nascendo. Queria saber mais, assim perguntou sobre os planetas. Como eles eram? Algumas pessoas viviam lá também? 

A mãe não se lembrava muito bem de todos, ela não tinha estudado muito, parou na sétima série. Todavia, tinha um que tinha uns anéis, era lindo. Saturno. Focou em saturno, inventou para a filha que lá era coberto de neve adocicada, tipo algodão doce.

A menina foi à loucura. Anéis brilhantes e algodão doce eram uma imagem tão bonita que guardou no coração. À noite, bem baixinho, ela pediu a Saturno que ele a levasse para o Universo. Orou em silêncio, apenas pensando, pensou palavras intensas e fortes enquanto focava na beleza das estrelas imaginárias.

De manhã, percebeu que a casa estava vazia. Correu de um lado para o outro, foi até a janela, não viu ninguém. Onde será que a mãe tinha ido? Olhou na geladeira e tinha uma estrela pendurada. Luzia sempre deixava uma estrela de lembrete para a menina se comportar. “Se você ganhar essa estrela, ganha um doce”, dizia. 

Os olhos de Laura brilharam, pensou de novo em Saturno, em todas as possibilidades do infinito. O dia passou, a noite chegou, o escuro chegou, avistou as estrelas na janela, nada da mãe ainda.

Laura era uma criança diferente, não aprendeu a ler, nunca foi à escola. Sempre ficava em casa ajudando a mãe nos serviços domésticos. Luzia criou a menina sozinha, ela era aposentada por ter sofrido um acidente de trabalho. Perdeu um braço, depois disso, teve pavor das coisas e do mundo. 

Ela manteve a filha por perto, pois sabia que não tinha muito tempo na Terra. Sempre encheu a vida de Laura com metáforas que não levavam a lugar nenhum, ela apenas queria ser lembrada. 

A menina, agora, estava terrificada, tinha um bilhete em cima da mesa que ela não tinha notado, parecia uma passagem. Laura logo arfou selvagem e gritou para si mesma:  Saturno!!! Ela achava que era uma passagem de ida para Saturno. 

Mais um dia se passou, o pão tinha acabado, a televisão perdeu a graça. Não tinha absolutamente nada para fazer. A mãe? Nem o vulto, só a lembrança. Ela não conhecia ninguém, nunca tinha saído na rua na verdade. Vivia sempre em casa auxiliando Luzia em tudo.

Subiu em cima da cadeira, agarrou a estrela que achava que merecia já que estava sozinha e não aprontara nadinha de nada. Atrás, tinha algo escrito: “Jiji, cuide dela”. Ela não sabia o que era. Bateram na porta, ela se escondeu devagarinho debaixo da mesa.

A pessoa tinha a chave, ela ouviu a chave sendo virada de uma vez. Uma moça apareceu, ela tinha certeza que ela era uma astronauta que a levaria para os confins. Saiu do esconderijo, cravou as mãos na passagem, fixou a estrela no vestidinho azul. Olhou para a mulher que estava com um sorriso todo iluminado e disse: estou pronta.

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