Josés e Marias

Por Paloma C. Mamede - 22/03/2021


Tributo a Salvador Dalí - Martin Grohs

Pensava se ia falar com as estrelas, os anjos, os demônios, as almas penadas, os fantasmas, ou qualquer outra coisa que pudesse passar por ali… Deitado na grama cheia de orvalho, o céu era tudo que tinha! Porque este, o homem ainda não arranjou um modo de adquirir, marcar território, confiscar e proibir. As beldades mais impressionantes, eram exatamente essas difíceis de monopolizar.  

José perdeu Maria, Mariazinha e José Filho, mas antes, perdeu o emprego, o carro, a casa e os cachorrinhos. Ficaram à deriva muitos dias, na chuva; no relento. O auxílio emergencial, coitado! Não tinha nem celular, nem recursos para saber se recebeu ou se não recebeu. O calafrio cortante do dia mais frio não se comparava às dores emocionais que Seu José jamais poderia acalentar. Nem o clarão dos raios solares, nem o ardor fumegante do sol em seus dias mais furiosos conseguia secar as lágrimas no rosto daquele velho andarilho. 

Andava de um lado para o outro, uma mão vasculhando o lixo e a outra secando o canto do olho. Na rua, quando passava, ouvia gritos de seres mascarados, limpinhos, bem alimentados e sempre de sacolas bem fornidas: “Lá vai o beberrão”. Pobre, Seu José que de álcool nem lembrava o cheiro, usava uns fiapinhos bem maltrapilhos cobrindo o rosto tentando se proteger daquele que devastou sua família.

Maria morreu de Covid 19, os filhinhos foram levados pelos homens de terno que diziam que estavam protegendo-os da pobreza. Foram para outro lar, talvez. Ele não conseguiu lutar, defender, socorrer, nada! Porém, em ato impensado, agarrou com tanta força os bracinhos das crianças que a última memória deles foram os hematomas da violência de um pai que só tinha amor em seu coração. A violência da recusa da separação. Era um não marcado em cada braço, como um carimbo que registrasse sua paternidade: “Por favor, me leva junto senhor! Não leva, meus meninos assim, deixa eles.” 

Foram. Pobre, Seu José! Perdeu até um pouco do juízo, das memórias bonitas, das ternuras, dos afagos. Ouvindo sempre pelas ruas, um “lá vai o drogado”, e nem a droga legalizada Seu José podia comprar, nem uma aspirina pra dor de cabeça infinita que martelava seus passos e seus sonhos. 

Agora, senhores e senhoras, me digam: quantos Josés, Marias, Mariazinhas e Josés filhos, vocês viram hoje ao passar pela rua com suas sacolas bem fornidas?

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