Já Alimentou os Pássaros?

Por Paloma C. Mamede - 28/12/2017


Apenas por alguns segundos vamos fingir que fazemos parte de outra estrutura de civilização... E, então o ônibus freia bruscamente e a moça ao lado te questiona o seguinte “você alimentou os pássaros?”. Você fecha os olhos buscando fragmentos de quaisquer lembranças ligadas a tudo que voa, não somente pássaros. Todo e qualquer bater de asas.

Naquele momento você se lembra de que na sua cultura não existe nada mais precioso que uma ave e que você deveria se declarar culpado, você havia se esquecido de alimentá-los. A sentença era clara, rude, e simples: dez pessoas morreriam em sacrifício de cada pena de cada ave morta pela fome. Você respira fundo, abre os olhos, olha as artes das paredes da cidade. Escuta o grito, as vozes, sente os riscos de cada expressão.

Olha fixamente para um viaduto perto da rodoviária e lê: “Já alimentou os pássaros imaginários?”. O sangue escorre pelos seus dedos manchando o seu uniforme. “Você é culpada”, digo para mim mesma diante do espelho. Porque todo esse caos que eu despertei em você é meu. Eu matei os pássaros de fome. Eu deixei de ouvir a alma da cidade encobrindo meus próprios ouvidos com o cansaço.

Contudo, estava eu realmente dentro de um ônibus qualquer quando um  homem começou a pregar poesia. Ele disse: “Ser ou ter?”... “O mundo não é mau/ As pessoas que ainda não aprenderam/ A ser boas”. Cada palavra que ele falava me lembrava dos assassínios dos pássaros.

Quando ele me entregou o livrinho que ele vendia eu não me contive e exclamei “Continue espalhando tua poesia. Parabéns pela tua coragem”, e em um momento de loucura menti: “também sou poeta”. Menti, pois eu havia cometido tantos assassínios que até os pássaros que alimentei estavam mortos.

Desci do ônibus peguei todos os fantasmas engaiolados com afinco, com coragem,  joguei-os para fora do peito; decidi reacreditar na voz e admiti tolamente que cada pensamento, cada ideal é o que mantem as verdades do mundo. E, se assim como eu você sente essa vontade insana de tacar fogo no concreto do Congresso é porque você tem queimado pássaros, e tem desistido das suas revoluções.

Tudo que restou novamente foi o ódio e a falta e opções. 2018 vem sem opções. Uma eleição vazia, sem alma, pois é mais fácil assumir que se quer queimar o concreto que dar asas ao que muda o concreto. É difícil expor que é tolo o suficiente para acreditar na mudança. É fácil desdenhar das paredes, da verdade dos muros, e dizer que os poetas são loucos, que os artistas de rua são perversão.

É fácil fingir que só se importa com o sólido. É fácil desistir da alma da cidade. “Brasília é um deserto de rostos conhecidos”. E o que nos resta conhecer? Por detrás de uma grande marca existem pássaros que vão sendo alimentados. Brasília é um cemitério de pássaros, e se você puder dê asas a algum deles, faça a alma deles. Se desnude do concreto e sinta o voo na pele.

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